
Cláusulas escalonadas em contratos atraem dúvidas, polêmicas e debates acalorados tanto entre profissionais do direito quanto entre empresas e pessoas comuns. O motivo é simples: ao tratar sobre solução de conflitos, essas cláusulas propõem uma ordem de etapas obrigatórias antes de possível arbitragem, como negociação e mediação. Mas e quando essa ordem não é respeitada? Neste artigo, estão as respostas sobre os riscos e consequências da arbitragem prematura, o entendimento dos tribunais e, acima de tudo, dicas práticas para evitar dores de cabeça.
Cláusulas escalonadas são pactuações contratuais que estabelecem mais de uma etapa para a resolução de disputas antes que as partes possam recorrer diretamente à arbitragem ou ao Judiciário. Elas não surgem à toa: são reflexo de desejo por soluções menos conflituosas, rápidas e menos custosas.
No dia a dia, empresas e pessoas usam essas cláusulas para garantir que o conflito passe por tentativas consensuais antes que alguém decida entregar às mãos de terceiros especializados, como árbitros, a decisão final. O nome "escalonada" faz menção a essas etapas encadeadas.
O principal objetivo das cláusulas escalonadas é desafogar a quantidade de arbitragens e processos judiciais, permitindo que muitos conflitos sejam resolvidos por consenso ao longo do caminho.
Na prática, ao firmar um contrato com cláusula escalonada, as partes ficam obrigadas a cumprir cada degrau estabelecido. Imagine um contrato de prestação de serviço entre uma empresa de tecnologia e um cliente corporativo. Se surge um problema, o fluxo será:
O que pode parecer apenas uma formalidade tem, na verdade, efeito obrigatório, caso essas etapas estejam descritas como "dever de fazer" antes da arbitragem. O mais comum é que as partes detalhem prazos, formas de comunicação e até mesmo com quem conversar primeiro, evitando margens de dúvida.
Cumprimento detalhado dessas etapas dá segurança jurídica, pois afasta a alegação de descumprimento da ordem contratual e reduz as chances de discussões paralelas no Judiciário.
Por que algumas etapas são obrigatórias?O teor obrigatório das fases pré-arbitrais decorre da própria intenção das partes ao assinar o contrato. Quando um texto determina expressamente que "apenas após tentativa de negociação e mediação, a arbitragem será instaurada", cria-se uma condição obrigatória. Ou seja, as partes não podem simplesmente pular degraus.
O caráter obrigatório normalmente vem acompanhado de termos claros, como:
Quando essa obrigação existe e alguém inicia a arbitragem antes da hora, a chamada arbitragem prematura, começam os problemas práticos.
Arbitragem prematura ocorre quando uma das partes, apressada ou até por desconhecimento, ignora as etapas obrigatórias da cláusula escalonada e começa diretamente a arbitragem. Muitas vezes, o objetivo é “ganhar tempo”, pressionar a outra parte ou, simplesmente, não entender o que estava escrito no contrato na hora do conflito.
Os principais motivos da arbitragem prematura são:
É como acionar o árbitro antes mesmo do jogo começar.
Esse tipo de atitude pode colocar em xeque a validade do procedimento arbitral e trazer riscos consideráveis.
Os riscos variam conforme a interpretação do tribunal arbitral e, posteriormente, do Judiciário, se for necessária intervenção, podendo variar entre efeitos materiais e processuais. Isso porque o descumprimento da etapa anterior é, visivelmente, um descumprimento contratual, podendo a parte contrária pleitear a devida reparação pelo descumprimento.
Mas há também efeitos processuais, isto é, ao descumprir uma etapa obrigatória, "significa que faltaria uma verdadeira “condição da ação” para a parte iniciar a arbitragem ou ajuizar a demanda perante o Judiciário." [1]
Assim, a cláusula escalonada mediação-arbitragem é de observância obrigatória e possui efeitos materiais, pois, "a cláusula de mediação, seja pactuada de maneira isolada ou estabelecida como condição prévia à arbitragem, deve ser respeitada, sob pena de restar como uma simples recomendação ou lembrança da possibilidade de uma solução consensuada e mais, ser uma barreira que acabará por conduzir as partes a conflitos “parasitas” e indesejáveis." [2]
A não observância da cláusula escalonada, pode gerar, inclusive, a suspensão do procedimento arbitral até que as etapas obrigatórias sejam cumpridas, conforme determina o art. 23 da lei de arbitragem.
Ainda que se afirme que a parte ao iniciar um procedimento de arbitragem já demonstrou sua ausência de intenção de firmar um acordo, contrariando a ratio essendi da mediação, é importante que a condição seja cumprida, já que a " mediação é uma obrigação de meio, não de fim. Ou seja, o importante é que as partes participem da mediação, não que necessariamente cheguem a um acordo. Além disso, mesmo que as partes não cheguem em um consenso ao final do procedimento, a mediação serve também para dar às partes um novo ponto de vista, fazendo, assim, com que elas tenham uma nova visão do conflito". [3]
Se as partes, quando da assinatura do contrato, concordaram com a implementação da cláusula e pactuaram que ela deveria ser cumprida, não é cabível que elas desistam de seguir uma cláusula que, conforme o Código Civil determina, fez lei entre as partes.
É importante destacar, também, que caso o mediador perceba que as partes não chegarão a um acordo, é perfeitamente possível que ele encerre o procedimento de mediação e as partes possam dar seguimento, seja iniciando um procedimento arbitral ou ajuizando uma ação no Judiciário, deixando claro que não é uma etapa que, sem a intenção de acordo, visa apenas o atraso ou o cumprimento de um ato formal, mas também uma oportunidade que as partes têm de se ouvirem e terem outro ponto de vista sobre a questão, podendo auxiliá-las até mesmo em eventual litígio.
Antes de pular a etapa, pense na rota que a outra parte pode usar para travar o processo.
Em resumo: iniciar arbitragem prematuramente pode gerar mais demora e complicação do que simplesmente cumprir a escada prevista contratualmente.
O Poder Judiciário brasileiro, ao longo dos anos, tem se debruçado sobre a questão da arbitragem prematura, buscando esclarecer os efeitos e consequências dessa prática quando as partes desconsideram as etapas obrigatórias previstas em cláusulas escalonadas.
A indagação central que persiste é: se uma cláusula escalonada foi acordada e a arbitragem é iniciada antes do cumprimento das etapas estabelecidas, qual o impacto disso? Diversas decisões de tribunais estaduais têm abordado esses casos, destacando um entendimento comum sobre a matéria.
Em algumas situações, a violação das cláusulas escalonadas pode levar à extinção da arbitragem sem julgamento do mérito, obrigando as partes a reiniciar o fluxo correto de resolução de conflitos.
Dessa forma, o tribunal arbitral deve avaliar se as fases foram adequadamente observadas. Na ausência de evidências claras, poderá suspender ou extinguir o procedimento arbitral, a fim de assegurar que a ordem contratual seja respeitada. É fundamental lembrar que a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) garante às partes o direito de definir os termos de suas disputas, desde que esses não contrariem o interesse público.
Se você deseja ler análises mais detalhadas sobre a invalidade de cláusulas arbitrais e suas consequências, vale conhecer este conteúdo já publicado: o artigo sobre invalidação de cláusulas arbitrais.
Uma dúvida frequente é: como provar que negociação ou mediação realmente aconteceram? Ou que, pelo menos, todos tentaram e fracassaram?
Documentação torna-se, nesse momento, aliada fundamental. Veja exemplos de documentos úteis:
Guardar todas as tentativas de contato e de solução amigável pode ser decisivo para quem, lá na frente, precisar demonstrar boa-fé e respeito ao contrato.
A clareza é a melhor defensora de quem estrutura cláusulas escalonadas. Cláusulas genéricas, ambíguas ou pouco detalhadas são fonte de confusão e abrem portas para discussões judiciais sobre obrigatoriedades e prazos.
Veja o que deve constar numa cláusula escalonada eficaz:
Quanto mais detalhada, menos margem para interpretações e mais eficiente será a solução em caso de disputa. Isso não significa burocratizar, mas deixar claro o que cada parte espera da outra.
O bom contrato antecipa a dúvida. O contrato ruim abre debate sem fim.
Evitar os riscos da arbitragem prematura passa por três ações simples:
Além disso, caso surjam dúvidas sobre a obrigatoriedade de qualquer etapa, usar a via da comunicação clara, solicitar confirmações formais e, diante da persistência da dúvida, consultar profissionais com experiência objetiva em métodos consensuais de solução de conflitos.
Tem interesse em dicas sobre como estruturar cláusulas arbitrais equilibradas? Há exemplos práticos no texto Cláusulas arbitrais em contratos.
Imagine um cenário onde uma construtora e uma incorporadora firmam um contrato contendo uma cláusula escalonada que estabelece que, antes de qualquer arbitragem, deve ocorrer primeiro uma negociação, seguida por uma mediação obrigatória. Em um momento de desentendimento, a incorporadora, sem buscar a mediação, decide iniciar a arbitragem.
Nesse contexto, as implicações são significativas:
Além disso, a questão pode ser levada ao Judiciário, que geralmente reforça a importância de respeitar o fluxo contratual estabelecido antes de qualquer deliberação arbitral. Essa situação ressalta a necessidade de uma redação clara e inequívoca nas cláusulas escalonadas, demonstrando que a falta de definição pode conduzir a complicações desnecessárias e prejudicar a resolução de conflitos.
De fato, a posição majoritária aponta que os mecanismos pré-arbitrais só não são oponíveis quando sua obrigatoriedade não é expressa de maneira clara. A intenção das partes, conforme refletida na redação da cláusula, é crucial. Em diversos casos emblemáticos, como o da SulAmerica CIA Nacional de Seguros v. Enesa Engenharia S.A., a falta de um compromisso claro à mediação resultou na desconsideração dessa etapa. Por outro lado, em um caso decidido em Singapura, a corte estabeleceu que a redação da cláusula conferia caráter obrigatório aos pré-requisitos, considerando-os essenciais para a instauração da arbitragem. Assim, a clareza na redação da cláusula escalonada é fundamental para assegurar que as partes estejam vinculadas às etapas pré-arbitragem, evitando desentendimentos futuros. [6]
Para evitar a “armadilha da arbitragem prematura” e garantir que cláusulas escalonadas cumpram seu papel, especialistas sugerem alguns cuidados objetivos:
Evite cláusulas vagas e prazos indefinidos, pois são fonte de insegurança e foco de litígios complexos.
Atenção especial ao registrar todas as tratativas. Nunca parta diretamente para a arbitragem sem antes revisar se todas as tentativas prévias foram, de fato, realizadas ou documentadas.
À medida que cresce a cultura de resolução extrajudicial de conflitos, as cláusulas escalonadas ganham espaço e se aprimoram. Empresas de todos os portes, pessoas físicas e jurídicas, começam a enxergar mais valor na solução escalonada do que na busca direta pela decisão de terceiros.
As soluções progressivas, quando bem previstas, aproximam as partes e fomentam ambiente mais saudável para negócios e relações duradouras. Como consequência, a arbitragem passa a ser buscada apenas quando realmente necessária e, mesmo assim, amparada por documentação sólida e etapa a etapa, evitando qualquer alegação de nulidade futura.
Sobre o desfecho do procedimento arbitral e como as decisões judiciais vêm reforçando sua validade, é possível encontrar detalhamento acessível em análise específica sobre decisões judiciais.
No fim das contas, um contrato bem redigido, aliado à boa-fé das partes e ao respeito pelos degraus definidos, representa o melhor caminho para episódios de menor conflito, mais agilidade e satisfação mútua, com menos intervenções externas.
A execução correta das cláusulas escalonadas é uma das chaves para um ambiente contratual mais seguro e previsível. Negligenciar as etapas pré-arbitrais, seja por desconhecimento ou descuido, pode comprometer todo o procedimento, acarretando atrasos, custos e desgaste entre parceiros comerciais.
O melhor caminho sempre será redigir cláusulas detalhadas, respeitar a ordem dos procedimentos e documentar cada etapa cumprida. Assim, caso a arbitragem seja realmente necessária, ela acontecerá no momento e forma corretos, com respaldo dos tribunais e sem riscos de nulidades ou suspensões inesperadas.
Cláusulas escalonadas são dispositivos em contratos que determinam uma sequência obrigatória de métodos para tentar resolver conflitos antes de avançar para procedimentos mais formais como a arbitragem. Geralmente, exigem negociação e mediação antes da arbitragem. O objetivo é estimular solução consensual e evitar disputas mais complexas.
A arbitragem prematura acontece quando uma das partes inicia o procedimento arbitral sem cumprir obrigatoriamente as etapas anteriores previstas na cláusula escalonada, como negociação ou mediação. Isso costuma gerar riscos ao processo, podendo levar à suspensão, extinção ou questionamento judicial da arbitragem.
A arbitragem prematura é considerada inválida quando a cláusula escalonada deixa claro que outras etapas obrigatórias deveriam ser cumpridas antes do início da arbitragem. Se essas fases não forem respeitadas, a arbitragem pode ser suspensa ou até extinta, segundo decisões dos tribunais brasileiros.
Os principais riscos incluem despesas desnecessárias, atrasos na solução do conflito, suspensão ou nulidade do procedimento arbitral e aumento do desgaste entre as partes. Há ainda o risco de levar o debate ao Judiciário, o que faz perder tempo e dinheiro que uma boa cláusula poderia evitar.
Execute as cláusulas escalonadas seguindo atentamente a ordem e os prazos definidos no contrato, documentando cada tentativa de solução consensual. Em caso de dúvida, leia o contrato e registre todas as comunicações e atitudes para comprovar boa-fé. Uma redação detalhada da cláusula também previne futuras discussões e erros de procedimento.
Se deseja saber mais sobre os desdobramentos da execução de sentenças arbitrais na Justiça, além do procedimento contratual, vale conferir o conteúdo complementar sobre execução de sentenças arbitrais na Justiça brasileira.
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[1] MAIA, Marina Leal Galvão. As cláusulas escalonadas no ordenamento jurídico brasileiro: breves considerações sobre as cláusulas med-arb e seus efeitos. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo, v. 72, p. 62–79, out./dez. 2021, p. 70.
[2] LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Op. cit., p. 251 e 296.
[3] MAIA, Marina Leal Galvão. As cláusulas escalonadas no ordenamento jurídico brasileiro: breves considerações sobre as cláusulas med-arb e seus efeitos. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo, v. 72, p. 62–79, out./dez. 2021, p. 72.
[4] MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1.0000.23.342331-8/001, 10ª Câmara Cível. Relatora: Des. Mariangela Meyer. Julgado em 9 jul. 2024. Publicado em 15 jul. 2024.
[5] PARANÁ. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 0034409-17.2019.8.16.0001, 2ª Câmara Cível. Relator: Juiz Substituto de 2º Grau Ricardo Augusto Reis de Macedo. Julgado em 3 dez. 2021.
[6] KULESZA, Gustavo; PEDROSO, Luiza; VIEIRA, Thais. Cláusula escalonada: Tribunal de Justiça do Paraná anula sentença arbitral por desrespeito à etapa de negociação pré-arbitral. Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr, 22 abr. 2024. Disponível em: https://cbar.org.br/clausula-escalonada-tribunal-de-justica-do-parana-anula-sentenca-arbitral-por-desrespeito-a-etapa-de-negociacao-pre-arbitral
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