A Inteligência Artificial (IA) tem gradualmente transformado diversos setores da sociedade, incluindo o campo jurídico. No âmbito da arbitragem internacional, essa transformação desperta tanto entusiasmo quanto cautela. Trata-se de um terreno promissor, mas ainda em construção, que exige atenção redobrada dos profissionais do direito.
De forma geral, entende-se por Inteligência Artificial a capacidade de um sistema computacional realizar tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana, como análise de dados, aprendizado, tomada de decisões e elaboração de documentos jurídicos.
No cenário jurídico, a IA tem demonstrado um desempenho notável. Um estudo recente revelou que um sistema desse tipo conseguiu redigir cinco acordos de confidencialidade (NDAs) em apenas 26 segundos, com precisão de 94,55%, enquanto advogados humanos levaram cerca de uma hora, com a exatidão média de 84,84%.
Apesar do desempenho promissor, a IA ainda está longe de ser infalível. Um exemplo marcante ocorreu nos Estados Unidos, onde dois advogados foram multados em US$ 5.000 após utilizarem uma IA para elaborar jurisprudência fictícia em uma petição judicial. A ferramenta, baseada em linguagem natural, garantiu a veracidade dos precedentes citados, que na verdade não existiam. Este episódio evidencia os riscos concretos da utilização indiscriminada de tecnologias generativas no contexto jurídico.
Atualmente, o uso de Inteligência Artificial na arbitragem internacional carece de regulamentação específica. Diante dessa lacuna normativa, diversas iniciativas têm surgido para orientar o uso ético e responsável dessas tecnologias.
Uma das mais relevantes é o Projeto de Diretrizes sobre o Uso de Inteligência Artificial em Arbitragem Internacional, elaborado pelo Silicon Valley Arbitration and Mediation Center (SVAMC), publicado em agosto de 2023. Embora ainda em versão preliminar, o documento estabelece diretrizes voltadas a partes, advogados e árbitros, distinguindo usos compatíveis e não compatíveis da IA.
Segundo as diretrizes, o uso não compatível inclui, por exemplo, a utilização de ferramentas de IA sem supervisão humana para seleção de árbitros, redação de petições ou elaboração de sentenças. É imprescindível que árbitros e advogados mantenham sua autonomia intelectual ao interpretar fatos, aplicar o direito e tomar decisões.
Mesmo sem regulação consolidada, o uso da IA já é uma realidade em diversas fases da arbitragem internacional:
1. Pesquisa jurídica
Ferramentas como Jus-AI (Jus Mundi), Lexis+ AI(LexisNexis) e Westlaw Edge (Thomson Reuters) estão sendo amplamente utilizadas para otimizar a pesquisa jurídica. Essas plataformas permitem que os profissionais acessem jurisprudência, redijam argumentos e resumam documentos de forma rápida e eficaz, embora ainda demandem revisão humana.
2. Seleção de árbitros
Soluções como a Arbitrator Intelligence fornecem dados analíticos sobre decisões arbitrais sem comprometer a confidencialidade dos procedimentos. Isso permite aos advogados uma escolha mais informada e estratégica dos árbitros.
3. Traduções jurídicas
Dada a natureza multilinguística da arbitragem internacional, ferramentas como o DeepL Translator, que utiliza redes neurais profundas, têm sido empregadas para a tradução inicial de documentos jurídicos com alto nível de precisão.
4. Redação de peças processuais
Ferramentas generativas como o ChatGPT vêm sendo utilizadas para rascunhos de cláusulas contratuais ou trechos de petições. Todavia, o risco de “alucinações” — informações fabricadas pela IA — torna indispensável a revisão cuidadosa por profissionais humanos. O uso automatizado sem supervisão pode configurar violação das diretrizes do SVAMC.
A utilização de IA em arbitragens internacionais suscita preocupações relevantes no tocante à privacidade de dados. Apesar das promessas de segurança oferecidas por plataformas jurídicas, a submissão de documentos confidenciais a sistemas baseados em IA pode acarretar riscos significativos, inclusive violações ao Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR).Isso se deve à possibilidade de que essas ferramentas retenham e reutilizem dados sensíveis para fins de aprendizado.
O uso da Inteligência Artificial na arbitragem internacional oferece oportunidades concretas de aumento de eficiência e produtividade. Contudo, sua aplicação requer cautela, regulamentação e supervisão constante. A tecnologia deve ser vista como uma aliada dos profissionais do direito, e não como sua substituta.
O cenário atual impõe um dever ético de diligência: advogados e árbitros devem garantir que qualquer uso de IA esteja alinhado com os princípios de confidencialidade, integridade e competência técnica. À medida que a regulamentação avança, será possível explorar todo o potencial da IA sem comprometer a legitimidade e a segurança jurídica dos procedimentos arbitrais.
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