Por muito tempo, a arbitragem foi vista com desconfiança por alguns operadores do Direito, especialmente diante da tradição de se buscar exclusivamente o Judiciário estatal para resolução de conflitos. Mas essa realidade está mudando. E quem também está a frente desse movimento, surpreendentemente, é o próprio Poder Judiciário brasileiro.
Hoje, mais do que permitir, os tribunais vêm incentivando ativamente o uso da arbitragem como foro alternativo legítimo e eficiente, principalmente diante do avanço da litigância predatória que sobrecarrega o sistema judicial com processos artificiais e repetitivos.
Desde a promulgação da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) e suas atualizações (como a Lei 13.129/2015), o ordenamento jurídico brasileiro trata a sentença arbitral como equivalente a uma decisão judicial: ela tem força de título executivo judicial e não depende de homologação para ser executada.
Essa segurança institucional foi reforçada pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade da arbitragem e estabeleceu que a cláusula compromissória deve ser respeitada, sob pena de extinção do processo judicial. O próprio Código de Processo Civil de 2015 reconhece a arbitragem como meio adequado de solução de conflitos (art. 3º, §1º).
Além disso, os tribunais vêm atuando de maneira prática e proativa:
Entre os temas que mais sobrecarregam o Judiciário brasileiro, a inadimplência ocupa lugar de destaque – não apenas pela quantidade de ações, mas pelo uso recorrente de estratégias abusivas para se esquivar do cumprimento de obrigações legítimas. Segundo o Relatório Justiça em Números 2023, dois dos cinco temas mais judicializados no Brasil dizem respeito a cobranças de dívidas e pedidos de indenização por supostas negatividades indevidas. O problema? Boa parte dessas ações sequer deveria existir.
De acordo com a Nota Técnica CIJMG nº 01/2022, emitida pelo Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao menos 30% das ações envolvendo negativação e revisões contratuais bancárias são consideradas artificialmente fabricadas. O documento detalha que tais demandas:
O resultado é devastador. A nota técnica calcula que, apenas no ano de 2020, esse tipo de litigância predatória gerou mais de R$ 10,7 bilhões em prejuízos ao erário, considerando-se apenas as ações cíveis dos tribunais estaduais. Nos Juizados Especiais, o rombo ultrapassaria R$ 2 bilhões adicionais. E tudo isso bancado com recursos públicos, enquanto milhões de processos legítimos aguardam julgamento.
“O excesso de acesso à justiça gera a denegação de acesso à justiça”, alerta a Nota Técnica, citando o ministro Luís Roberto Barroso.
A gravidade da situação levou o TJMG a implementar o NUMOPEDE (Núcleo de Monitoramento do Perfil de Demandas), que rastreia práticas fraudulentas e litígios fabricados em massa. A experiência bem-sucedida de Minas Gerais inspirou recomendações nacionais, como a Recomendação CNJ nº 159/2024, que reconhece que o combate à litigância predatória exige mecanismos extrajudiciais eficazes, incluindo a arbitragem como solução de enfrentamento.
O que a Nota Técnica do CIJMG deixa claro é que o Judiciário não apenas aceita, como recomenda a adoção de soluções estruturais – e a arbitragem se encaixa perfeitamente nesse esforço. Como foro alternativo, ela oferece:
A própria Nota Técnica afirma que o enfrentamento da litigância predatória deve se dar por “estratégias múltiplas, intraprocessuais, extraprocessuais e institucionais”, incluindo “colaboração com outros sujeitos e entidades do sistema de justiça” – como câmaras arbitrais, que já operam de forma estruturada e regulamentada em todo o país.
A litigância predatória tem gerado um custo bilionário ao Judiciário e à sociedade. Estima-se que, só em ações artificiais relacionadas à inadimplência e danos morais por negativação indevida, o Brasil gaste mais de R$ 11 bilhões por ano com processos movidos, na maioria dos casos, sob gratuidade de justiça.
Esses processos não apenas consomem recursos públicos, como congestionam varas e tribunais, atrasando a solução de casos realmente legítimos. É nesse contexto que a arbitragem se torna estratégica: rápida, técnica e economicamente mais racional.
Um estudo mostra que, se entre 20% a 100% desses casos fossem direcionados à arbitragem, a economia para os cofres públicos poderia variar entre R$ 2,2 bilhões a R$ 11,1 bilhões por ano – recursos que poderiam ser reinvestidos em áreas críticas do sistema de Justiça.
Em um cenário de sobrecarga judicial e abuso sistêmico do direito de ação, o fortalecimento de foros alternativos, como a arbitragem, passou de recomendação acadêmica a necessidade institucional reconhecida pelo próprio Judiciário. A Nota Técnica CIJMG nº 01/2022, publicada pelo Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, é uma peça-chave para entender como essa virada vem ocorrendo dentro dos próprios tribunais.
Segundo a nota, práticas como ações em massa, documentos falsificados, fragmentação de pretensões e uso artificial da gratuidade de justiça geram um impacto direto no funcionamento do Judiciário. Somente com demandas sobre “negativação indevida” e “revisão contratual bancária”, o custo ao erário em 2020 superou R$ 10 bilhões, com mais de 1,2 milhão de ações fabricadas.
“Excesso de acesso à justiça gera denegação de justiça”, destaca a nota, ecoando o alerta do ministro Luís Roberto Barroso na ADI 3.995/DF.
Nesse contexto, o próprio Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconhece que não é possível enfrentar esse fenômeno apenas com medidas internas. A nota propõe um conjunto de estratégias intraprocessuais, extraprocessuais e institucionais, incluindo parcerias interinstitucionais com atores como o Ministério Público, a OAB, a Defensoria Pública — e, especialmente, câmaras e meios extrajudiciais de resolução de disputas.
O documento do CIJMG não cita diretamente a palavra “arbitragem” como única via, mas afirma categoricamente que o enfrentamento da litigância predatória requer “soma de esforços” com entidades fora do sistema judicial tradicional. Isso reforça o entendimento, já consagrado em doutrina e jurisprudência, de que:
A mensagem deixada pela nota técnica é clara: o Judiciário não apenas tolera, mas precisa dos foros alternativos para sobreviver à judicialização artificial em larga escala. Instituições como a arbitragem não competem com a Justiça. Elas complementam, desafogam e tornam o acesso à Justiça mais legítimo, racional e eficaz.
Essa nova postura institucional abre espaço para empresas, advogados e operadores do Direito reestruturarem seus contratos e estratégias processuais. E, acima de tudo, contribui para restaurar o verdadeiro papel da Justiça: resolver conflitos reais com qualidade, dentro de um tempo razoável.
Segundo o documento:
Quase 100% dessas ações foram movidas com gratuidade de justiça, ou seja, quem pagou a conta foi o próprio Estado.
A arbitragem é um foro alternativo legítimo, legal e apoiado pelo próprio Judiciário. As decisões arbitrais são respeitadas e executadas com o mesmo peso das sentenças estatais. Mais do que isso, magistrados e instituições estão assumindo seu papel de agentes promotores de eficiência, incentivando métodos que desafoguem os tribunais e fortaleçam o acesso à justiça verdadeira.
Se você é advogado de empresa ou magistrado, vale refletir: continuar insistindo no modelo inflado da litigância tradicional, quando existe uma via mais célere e segura, ainda faz sentido?
A resposta está cada vez mais clara: o futuro do Direito passa por foros alternativos – e a arbitragem é um dos pilares centrais dessa evolução.
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