A aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor aos Contratos de Locação de Bens Imóveis, regidos pela Lei nº 8.245/91, é uma questão comumente discutida nos tribunais do país, impactando diretamente na validade da arbitragem como método de resolução de conflitos oriundos dos contratos de locação.
Antes de mais nada, é importante destacar que o posicionamento da doutrina majoritária e da jurisprudência pacificada, tanto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), quanto pelos Tribunais de Justiça espalhados pelo Brasil, é uníssono no sentido da não aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações regidas pela Lei de Locações (Lei nº 8.245/91).
Por meio do presente artigo, pretendemos demonstrar os fundamentos doutrinários e jurisprudenciais que embasam o afastamento da aplicação das normas do CDC.
Este assunto é amplamente discutido, mas também pacificado, não possuindo qualquer influência sobre a validade da cláusula de arbitragem inserida nestes contratos.
A INAPLICABILIDADE DO CDC AOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO
É sabido que, nos termos do art. 2º, do CDC, consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
No mesmo sentido, conforme o art. 3º, do CDC, fornecedor é “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Assim, para que haja a aplicação das normas do CDC a uma determinada relação jurídica, é necessário que as partes se enquadrem nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos no Código de Defesa do Consumidor, para que então a sua incidência seja atraída.
Analisando o art. 3º, é possível notar que o locador “não se enquadra no conceito de fornecedor e, portanto, não haveria uma relação de consumo na locação”¹, conforme bem demonstrado pelo STJ no julgamento do AgInt no AREsp 964.738/BA.
Na mesma linha de pensamento defendida, segue o ilustre doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, afirmando que “locador não pode ser tido como fornecedor ou prestador, pela ausência de uma atividade descrita no CDC e da profissionalidade própria dessas qualificações”.²
A justificativa, na mesma linha do posicionamento supra, é de que as atividades ali informadas não são suficientes para enquadrar o locador como fornecedor, a ponto de permitir a incidência do Código de Defesa do Consumidor: “O locador não realiza quaisquer das atividades descritas pelo referido dispositivo e que poderia caracterizá-lo como fornecedor”³.
Ademais, o CDC e a Lei de Locações fazem parte de microssistemas jurídicos distintos, o que impede a aplicação cruzada de suas normas. Sobre o tema, o STJ tem reiteradamente decidido neste sentido:
“Como bem esclarecido naquela ocasião, nos termos da reiterada jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, além de fazerem parte de microssistemas distintos do âmbito normativo do direito privado, as relações jurídicas locatícias não possuem os traços característicos da relação de consumo, previstos nos arts. 2º e 3º da lei 8.078/90, o que afasta a sua aplicação no caso concreto.”4
Ainda que o contrato de locação seja firmado através de uma intermediadora - muitas vezes uma imobiliária, não é possível permitir a aplicação do CDC na relação entre locador e locatário, continuando o contrato a ser regido pela legislação específica:
“O instrumento de locação – mesmo que tenha sido firmado por intermédio de imobiliária – deve sempre ser regulamentado pela legislação que rege a matéria, isto é, a Lei nº 8.245/91. Assim, não é possível que seja aplicado o CDC nos contratos de locação”5
Importante destacar, por fim, que a impossibilidade de aplicação das normas do CDC nos contratos de locação não se sustenta quando analisado o contrato de administração de imóvel entre o locador e a imobiliária responsável, sendo, neste caso, perfeitamente possível a regências pelas normas do Código de Defesa do Consumidor.
A VALIDADE DA ARBITRAGEM NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO
Superado o tema sobre a possibilidade ou não da aplicação das normas do CDC nos contratos de locação, cumpre-nos fazer considerações sobre a validade da arbitragem nos contratos de locação de imóveis.
A utilização da arbitragem, nos termos da lei de arbitragem (Lei 9.307/1996), é condicionada à disponibilidade dos direitos que a ela são submetidos, conforme art. 1º da referida lei.6
Assim, na locação de imóveis, por se tratar de direitos patrimoniais disponíveis, é cabível a utilização da cláusula de arbitragem, sendo plenamente válida a inserção de tal cláusula nos contratos de locação.
Não obstante, deve-se ressaltar que a validade da cláusula de arbitragem está condicionada à observância dos requisitos do art. 4º da lei de arbitragem que determinam a forma com que a cláusula deverá ser inserida e destacada nos contratos. Por exemplo, em casos de contrato de adesão, a cláusula deverá ser apresentada em negrito, ou em documento anexo, além de contar com um visto específico para ela, conforme o art. 4º, §2º.7
Logo, cumpridas tais formalidades, a cláusula de arbitragem é perfeitamente aplicável nos contratos de locação de imóveis, não podendo as partes pleitearem sua nulidade após sua vontade de submissão à convenção arbitral:
“Dessarte, não se pode invocar o art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem para afastar a cláusula compromissória, pois quem a lei visa tutelar – locatário – declarou, expressamente e no momento devido, sua vontade de submissão do feito à Corte Arbitral, reiterando o pacto outrora entabulado.”8
Dessa forma, os tribunais têm declarado a validade e determinado o cumprimento das sentenças arbitrais de despejo, demonstrando a legalidade e constitucionalidade do instituto:
“Cláusula contratual que atendeu ao disposto no artigo 4º §2º da Lei 9.307/1996. Possibilidade de escolha do juízo arbitral em contratos de adesão, bastando que a cláusula seja instituída em documento anexo ou em negrito, com assinatura ou visto especial. Nada sugere vício na manifestação de vontade dos locatários.”9
“O contrato de locação celebrado entre particulares com previsão de cláusula compromissória, sobre o qual não há controvérsia acerca da não incidência do Código de Defesa do Consumidor e da não caracterização de contrato de adesão, fica sujeito à regra geral, de modo que é obrigatória a observância da cláusula compromissória.”10
Por fim, existem posições que afirmam que no julgamento do REsp 1481644/SP, o STJ decidiu que a jurisdição arbitral não seria a competente para julgar ações de despejo, dada sua natureza executiva.
Porém, devemos destacar que esse recurso foi julgado sob a ótica da redação original da lei de arbitragem, haja vista que o recurso foi distribuído ao STJ em 2014, sem as modificações que ampliaram sensivelmente o seu escopo e competência.
Isso porque a lei nº 13.129/2015 inseriu na lei de arbitragem os arts. 22-A e 22-B, possibilitando que os árbitros pudessem conceder tutelas cautelares, como, por exemplo, o despejo liminar por ausência de pagamento, devendo reservar para o Poder Judiciário a execução da medida, em caso de cumprimento não voluntário da decisão:
“Nesse contexto, não há incongruência em deixar a cargo da Câmara de Arbitragem decretar o despejo por falta de pagamento – inclusive liminarmente, na forma admitida pelo artigo 59, § 1º, IX da Lei 8.245/1991 – e reservar para o Poder Judiciário apenas a execução da medida; afinal, é assim que se procede também em relação aos provimentos condenatórios por aquela editados, não se ignorando a distinção entre as ações condenatórias e as ações executivas lato sensu que deram sustentação ao voto condutor do julgamento do REsp 1.481.644/SP.”11
Além das inúmeras decisões e acórdãos prolatados pelo país, validando a sentença arbitral de despejo nos contratos de locação de imóvel, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás inovou editando a Resolução nº 122/2020, que determina o cumprimento de decisões arbitrais, incluindo ordens de despejo determinadas em sentença pelo juízo arbitral:
“Inexiste, portanto, óbice para a decretação do despejo por falta de pagamento pela Corte Arbitral - inclusive liminarmente, na forma admitida pelo artigo 59, § 1º, IX da Lei nº 8.245/1991 c/c inciso II do artigo 1º da Resolução 122/2020 do Órgão Especial do TJGO, sendo reservado ao Poder Judiciário apenas a execução da medida.”12
Assim, a utilização da arbitragem nas ações oriundas de contratos de locação, inclusive o despejo por inadimplemento, encontra total amparo na legislação e jurisprudência dominante, sendo considerada válida pelos Tribunais do país, sendo uma maneira legal e válida de resolução dos conflitos nos contratos de locação de imóveis.
A Arbitralis está pronta para auxiliá-los nessa transição para uma jurisdição mais simples, eficiente, segura de resolver seus conflitos, poupando tempo e dinheiro, além de ser totalmente apoiada e amparada pelo Poder Judiciário.
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¹ AgInt no AREsp n. 964.738/BA, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 7/6/2021, DJe de 11/6/2021
² FILHO, Sergio C. Programa de Direito do Consumidor - 6ª Edição 2022. 6. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2022. E-book. p.263.
³ AgInt no AREsp n. 964.738/BA, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 7/6/2021, DJe de 11/6/2021
4 AgRg no AREsp n. 101.712/RS, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/11/2015, DJe de 6/11/2015.
5 TJ-GO 5076082-07.2020.8 .09.0051, Relator.: DESEMBARGADORA SANDRA REGINA TEODORO REIS - (DESEMBARGADOR), 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/04/2024
6 Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
7 Art. 4º (...)
§2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
8 TJ-GO - Apelação Cível: 5076743-15.2022.8 .09.0051 GOIÂNIA, Relator.: Des(a). Eduardo Abdon Moura, 3ª Câmara Cível
9 TJSP; Apelação Cível 1165269-31.2024.8.26.0100; Relator (a): Rosangela Telles; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 2ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 08/07/2025; Data de Registro: 08/07/2025
10 TJ-GO - Apelação Cível: 5076743-15.2022.8 .09.0051 GOIÂNIA, Relator.: Des(a). Eduardo Abdon Moura, 3ª Câmara Cível
11 TJPR - 18ª Câmara Cível - 0033256-46.2019.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ HENRIQUE MIRANDA
12 TJGO, Apelação Cível 5237796-39.2021.8.09.0051, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, 5ª Câmara Cível, julgado em 06/07/2023, DJe de 06/07/2023
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